Novos aviões permitem voos ultralongos de mais de 15 horas
Se a perspectiva de se ver aprisionado no avião em uma viagem de longo percurso o apavora, tenha em mente a situação dos passageiros que fizerem reservas no voo EK251 da Emirates.
Em 1º de fevereiro, o novo serviço diário decolará de Dubai às 8h05min. Os 266 passageiros a bordo terão tempo de assistir a oito filmes consecutivamente e desfrutarão de inúmeras refeições antes que o voo sem escalas aterrisse na Cidade do Panamá 17 horas e 35 minutos depois da partida.
O voo da Emirates, cobrindo uma distância de 13.816 quilômetros, ficará com o título de mais longo voo regular de passageiros do planeta, superando a rota Dallas-Sydney operada pela Qantas (cujos voos duram cerca de 17 horas), mas ele não é uma aberração, e nem um golpe publicitário da parte da ambiciosa companhia de aviação do Golfo Pérsico.
Na verdade, a Emirates nem deve manter o título por muito tempo, graças ao renascimento dos chamados voos “ultralongos”. Uma nova geração de aviões está ajudando a tornar os voos longos mais eficientes, e tanto a Boeing quanto a Airbus estão trabalhando para desenvolver modelos com alcance estendido –o Airbus A350-900ULR e o Boeing 777-8– que entrarão em serviço nos próximos cinco anos.
O novo modelo da Boeing contará com asas extralongas para melhorar o desempenho em voo, e elas precisarão ser dobradas quando da aterrissagem para que o avião possa ser acomodado nas pistas de pouso existentes.
“Agora existe tecnologia que permite realizar esses voos de percurso ultralongo de maneira mais eficiente, e por isso as companhias de aviação estão estudando onde faz mais sentido operá-los”, diz John Strickland, analista de aviação e fundador da JLS Consulting, sediada no Reino Unido.
No mês passado, a Qantas anunciou que estava considerando criar voos sem escalas entre a Austrália e a Europa em 2017, o que incluiria uma rota entre Perth e Londres, usando os oito novos aviões Boeing 787-9 que encomendou para substituir os seus 747.
Ao mesmo tempo, a Singapore Airlines anunciou planos para voos diretos entre Cingapura e Nova York, a partir de 2018. O voo demoraria cerca de 19 horas, com uma extensão de 15.321 quilômetros que lhe valeria o novo recorde de voo sem escalas mais longo.
Na verdade, voos sem escalas ultralongos como esses não são novidade. Uma década atrás, esse tipo de rota parecia estar emergindo como tendência chave –a Thai Airways lançou voos diretos de Bancoc a Los Angeles em 2005, o mesmo ano em que a American Airlines criou voos sem escalas de Chicago a Nova Déli.
No ano anterior, a Singapore Airlines havia lançado voos de Cingapura a Nova York e Los Angeles.
Mas a disparada no preço dos combustíveis em 2009 e 2010, acoplada à crise econômica, que reduziu o número de passageiros dispostos a pagar ágio por voos como esses, os tornaram contraproducentes e, no final de 2013, todas essas rotas haviam sido canceladas.
Parte do problema era que muitas delas utilizavam o Airbus A340-500, um avião de quatro turbinas e alto consumo de combustível –apelidado de “tanque de combustível voador” por analistas do setor.
“Em um voo de percurso ultralongo, um avião decola carregando combustível que será queimado simplesmente para transportar o combustível a ser usado horas mais tarde”, diz Will Horton, analista do Centro para a Aviação de Sydney. “Nesses voos, quando o preço do petróleo estava alto, o combustível respondia por parte imensa dos custos de operação –acima de 70%”.
Quando a Singapore Airlines primeiro encomendou o A340-500, o combustível de aviação custava US$ 0,11 por litro. Quando o avião entrou em serviço, o preço havia subido a US$ 0,24 por litro e quando os voos foram cancelados, em 2013, o preço era de US$ 0,75 por litro. “Embora a expectativa quanto aos voos fosse sempre a de que propiciassem lucro mínimo ou pequeno prejuízo, eles terminaram por se tornar um peso”, diz Horton.
Passados dois anos, a Singapore Airlines está planejando retomar seu recorde nos voos de longa distância, mas com aviões mais eficientes em termos de consumo de combustível. Quando reiniciar os voos diretos para Nova York, em 2018, ela será a primeira operadora do novo Airbus A350-900ULR.
A estrutura do avião, formada majoritariamente por materiais compostos, permitiu que a Airbus reduzisse o peso do aparelho e, com isso, o consumo de combustível. A fabricante afirma que o novo modelo consumirá 25% menos combustível que o Boeing 777-200LR, um avião de tamanho semelhante.
O novo Airbus também terá tanques de combustível ampliados, ante outras variantes da família A350. Com capacidade máxima de 165 mil litros, seu alcance será de pelo menos 16.664 quilômetros, superior ao de qualquer outro avião comercial.
“A maioria de nossos passageiros diz que voos sem escalas são a única maneira de viajar dos Estados Unidos ao Sudeste Asiático”, diz Subhas Menon, vice-presidente regional da Singapore Airlines na Europa. “Quando há escalas, os horários dos voos e todas essas coisas perturbam o descanso”.
Com uma ou duas escalas, uma viagem de Cingapura a Nova York pode demorar de 24 a 30 horas. Paul Wait, presidente-executivo da GTMC, que representa as companhias de viagens de negócios do Reino Unido, argumenta que uma rota aérea direta será sempre preferível, especialmente para os viajantes profissionais.
“As viagens de ultralongo percurso são vistas pela comunidade de viajantes de negócios como grande oportunidade para horas de trabalho produtivas, e essas horas muitas vezes podem ser cobradas”, ele disse.
Os fabricantes de aviões também afirmam que a nova tecnologia tornará a experiência dos voos longos mais suportável para os passageiros. Por exemplo, o uso de materiais compostos reforçados de fibra de carbono –como acontece no Boeing 787 e no novo Airbus A350-900ULR– permite maior umidade na cabine.
“Umidade é um dos fatores que tornam melhor a experiência dos passageiros”, diz Blake Emery, diretor de estratégia de diferenciação na Boeing. “Se você derrama água sobre plástico, isso pouco importa. Mas se a derrama sobre metal, tudo se corroerá”.
Fuselagens de materiais compostos que não sejam suscetíveis a corrosão também permitem pressão interna mais alta na cabine, algo que Emery define como provavelmente o mais importante fator para o conforto dos passageiros. Regulá-la incorretamente pode causar sintomas desagradáveis, especialmente em voos muito longos.
“Algumas pessoas sofrem dores de cabeça e musculares”, ele diz. Os aviões convencionais mais antigos usualmente têm pressão de cabine equivalente à de uma altitude de 2.400 metros acima do nível do mar, mas no 787, feito de materiais compostos, ela é de 1.800 metros (o nível que a Boeing decidiu ser ideal depois de conduzir testes extensos que envolviam pagar alunos da Universidade do Oklahoma para que passassem 18 horas dentro de um modelo de avião sujeitos a diferentes pressões).
Mesmo assim, para algumas pessoas, ficar confinado por mais de 18 horas em um avião é insuportável. “Você só aceitaria fazê-lo em uma rota na qual voe nas classes melhores, porque a ideia de ficar na classe econômica por todo esse tempo é bem sombria”, diz Strickland. “Não importa o quanto o avião seja moderno, se você pensar no lado prático, por exemplo na possibilidade de trombose venosa profunda e assim por diante, decerto vai querer estar nos lugares melhores”.
Para ajudar a cobrir os custos mais altos das companhias de aviação com combustível e pessoal, os voos sem escala dependem de atrair bom número de passageiros de negócios dispostos a pagar ágio pela viagem sem escalas.
A Singapore Airlines inaugurou sua mais longa rota, em 2004, com configuração de classe executiva e classe econômica. Quatro anos mais tarde, os aviões da rota só ofereciam classe executiva. Os aviões que voam em rotas longas também precisam incluir instalações de repouso para a tripulação –e até mesmo um lugar para guardar corpos caso um passageiro morra durante o voo. Na sua frota de A340-500, a Singapore Airlines introduziu um armário especial para armazenar possíveis cadáveres.
Os riscos de saúde desses voos de longa distância também afetam os pilotos. Os que trabalham em rotas longas enfrentam risco considerável de perturbações no ritmo circadiano (relógio biológico) causada pelas mudanças de fuso. O tempo mais longo passado em voo também significa maior exposição à radiação.
“Há regras quanto às jornadas de trabalho e quanto ao número de pilotos que devem estar disponíveis para voos de longo percurso”, diz Rob Hunter, diretor de segurança de voo da Associação Britânica de Pilotos Comerciais, “mas as companhias de aviação vêm conseguindo cada vez mais isenções caso consigam demonstrar que essas exceções são seguras”.
Hunter se declara preocupado com a possibilidade de que as pressões comerciais sobre as companhias aéreas comprometam suas decisões. “Parte do monitoramento e controle do risco de fadiga dos pilotos depende dos relatórios deles sobre seu cansaço. Não é incomum que esses relatórios sejam administrados pela companhia de aviação em tom disciplinar. Para muitos pilotos, é muito menos fatigante aceitar a fadiga do que reportá-la”, ele diz.
O lançamento de mais voos de percurso ultralongo se tornará mais provável, nos próximos anos, com o avanço da tecnologia. A Emirates afirma que poderá voar percursos ainda mais longos a partir de 2020, quando começar a receber o Boeing 777-8.
“Isso poderia permitir voos sem escalas para destinos como o Peru, Cidade do México e Santiago do Chile”, diz Anand Lakshminarayanan, vice-presidente sênior de otimização de receita na Emirates. “O fator primário é a demanda, na verdade. Pelo que vimos, existe disposição da parte dos passageiros de pagar um pouco mais por voos ultralongos que dispensem escalas”.
Mesmo assim, muita gente no setor acredita que voos como esses serão sempre um nicho de mercado. De acordo com Strickland, só porque voos de percurso ultralongo são tecnicamente viáveis, não significa que eles sempre venham a fazer sentido economicamente.
Will Horton, de sua parte, aponta que muitos passageiros na verdade gostam de escalas no exterior, e ainda outros não vão querer ficar dentro de um avião por tanto tempo.
“A tecnologia das turbinas já existe”, diz Alan Epstein, vice-presidente de tecnologia da fabricante de turbinas Pratt & Whitney e antigo professor de tecnologia aeroespacial no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). “Agora podemos voar sem escalas a praticamente qualquer lugar da Terra. O limite não é mais a durabilidade dos motores, mas a durabilidade dos passageiros”.
Fonte/ Imagem: Folha de São Paulo (23/11/2015)