Entrevista-James Waterhouse, Sócio fundador da empresa AeroAlcool e Professor da USP
James Rojas Waterhouse fala sobre suas impressões sobre a atual situação do setor aeronáutico brasileiro.
James é pesquisador e professor concursado no Departamento de Engenharia Aeronáutica da Universidade de São Paulo desde 2005, sócio proprietário da AeroAlcool Tecnologia Ltda, fundada em 2003, sócio fundador e ex-diretor técnico da Aeris Energy (até 2013) e ex-Diretor Técnico da AirShip do Brasil (2013-2014).
Formado pela Universidade de São Paulo em Engenharia Mecânica em 1995, possui Mestrado (2000) e Doutorado (2010), ambas pela USP, com experiência nas áreas de Engenharia Aeronáutica, de Materiais e Física, com ênfase em Materiais e Métodos para construção aeronáutica, combustíveis renováveis e energia eólica.
Qual a importância da criação da categoria de Aeronave Leve Esportiva certificada pela ANAC e seu impacto para o desenvolvimento da Aviação Geral no Brasil?
Na verdade, a ANAC reconheceu o LSA (Light-Sport Aircraft), em substituição ao sistema outrora utilizado. Existe uma enorme importância dessa nova categoria para o Brasil, pois possibilita a existência de aviões certificados modernos, com custos de certificação acessíveis. Dentre os desdobramentos podemos citar:
A- Possibilidade de regras estáveis para desenvolvimento e certificação de produtos de base;
B- Fomenta a criação de empresas pequenas, criando mercado para RH, insumos, tecnologia e por fim, criando soluções nacionais acessíveis a empreendedores e ao mercado consumidor. Isso é particularmente importante numa época que o Brasil perde o controle da Embraer para a Boeing.
C- Aumento o nível de qualidade de aeronaves leves no país, com consequente aumento do nível de segurança;
D- Se autorizado pela ANAC para atividades de instrução básica, acúmulo de horas, a exemplo de outros países, a nova categoria irá reduzir sensivelmente o custo da hora de voo, proporcionar aeronaves de melhor desempenho e segurança, em comparação com as aeronaves existentes, as quais são muito antigas e com elevada taxa de uso.
E- Se autorizado pela ANAC para imageamento aéreo e outras atividades comerciais, que não o transporte aéreo, o LSA poderá gerar uma enorme gama de produtos e/ou soluções de ótimo custo-benefício ao Brasil a exemplo de prospecção aérea, patrulha, imageamento agrícola, dentre outras. Obviamente uma boa parte dessas atividades já existe, mas seu custo é elevado e reduções de custo desses serviços poderão significar enormes benefícios e um aumento considerável da abrangência.
F- Utilizando-se o Brasil como massa crítica de mercado, pode-se desenvolver produtos para exportação, ajudando na criação e fixação das empresas do ramo.
Infelizmente o Brasil apresenta um atraso na regulamentação do escopo de uso dos LSA (RBAC-91) que prejudica as empresas dedicadas a esta atividade no país, o que pode implicar na necessidade de uma grande quantidade de importação de aeronaves deste tipo.
Quais as dificuldades em desenvolver, homologar e comercializar uma tecnologia de motores aeronáuticos à álcool? Quais são as perspectivas no médio prazo para este mercado?
Existem algumas grandes dificuldades:
A- Funding: Produtos e/ou tecnologias aeronáuticas tem desenvolvimento caro e longo tempo de retorno, sendo a estrutura de funding de P&D inadequada para este tipo de produto, pois os juros são elevados e existe a exigência de garantias reais para empréstimos.
B- Não existe política de longo prazo para combustíveis aeronáuticos, sequer para combustíveis automotivos, por consequência cria-se um enorme risco aos envolvidos no processo, inibindo o desenvolvimento.
C- A conversão clandestina de motores a etanol para aviões não é complicada e os benefícios financeiros são grandes, estimulando uma enorme endemia de conversões clandestinas e amadoras, as quais reduzem o mercado para conversões certificadas e de qualidade. Uma conversão de motor a álcool de qualidade é de grande complexidade, mas tem segurança e robustez, ao contrário de conversões clandestinas que não mitigam os problemas oriundos de um novo combustível. Infelizmente a quase totalidade do mercado de aeronaves agrícolas escolheu o caminho de conversões clandestinas, criando uma falsa percepção futura que o etanol para aviões é problemático, e não o fato verdadeiro que conversão de aeronaves para etanol precárias e clandestinas são problemáticas. Isso poderá ser um enorme óbice a esta excelente tecnologia no futuro.
Quais as diferenças de manutenção e reparo de matérias compostos na aeronáutica em comparação com o alumínio?
As diferenças são tantas, que justificaria um livro inteiro dedicado ao tema, mas podemos destacar que em materiais compostos não existe padrão, a exemplo de alumínio, obrigando cada componente a ser reparado a uma análise e projeto de engenharia detalhado para reparo. Nossos mecânicos ainda estão pouco preparados para este desafio, mas certamente irão absorver a nova tecnologia em pouco tempo.
O setor aeronáutico exige atuação de profissionais qualificados e licenciados para a realização de determinado serviço. Na sua opinião, qual o status do país em relação a qualificação dos profissionais do setor? De que forma é possível desenvolver ainda mais os recursos humanos em aviação no Brasil?
Temos várias realidades, as quais podemos dividir em segmentos:
A- Mecânicos: A ementa dos cursos de mecânicos no Brasil é uma fração da ementa dos EUA, inclusive baseada nos manuais do FAA, mas infelizmente em apenas alguns e não na totalidade. Este fato associado ao precário domínio da língua inglesa por parte da maioria dos técnicos, reduz sensivelmente o nível de qualidade. O problema é sério e urgente, mas nunca foi corretamente discutido. Precisamos gerar mais material didático e ementas de qualidade, qualificações em níveis mais elevados para podermos equipararmos com outros países líderes.
B- Outros técnicos (CTM, DOV, etc..): Para algumas profissões sequer existem cursos formais, sendo o ofício aprendido no próprio ambiente de trabalho, outros que já tem curso, ainda não atingiram metas de qualidade desejáveis, a exemplo dos mecânicos.
C- Tripulação comercial: O Brasil possui excelente formação para tripulantes comerciais, não devendo nada em qualidade e proficiência aos países de primeiro mundo.
D- Engenheiros: O ensino de engenharia no Brasil também não fica a dever as melhores universidades do mundo, no entanto estamos nos distanciado cada vez mais da engenharia real e partindo para um enfoque excessivo em modelagem. Esse é um fenômeno nacional, pois os docentes e as universidades são avaliadas quase que exclusivamente pela produção acadêmica, fomentando o foco em papers e não em engenharia cotidiana e soluções de problemas reais. Esse fato está resultando numa perda gradual de proficiência em engenharia de professores e consequentemente egressos de nossas universidades.
O que é preciso para garantir o desenvolvimento do mercado aeronáutico no país? Na sua visão, qual o potencial de crescimento para os próximos anos?
1- Funding adequado;
2- Regulação adequada;
3- Políticas de longo prazo.
Se esses 3 itens não forem tratados, continuaremos a ser um grande mercado aeronáutico que importa quase tudo que usa. Se o governo entendesse a real importância da aviação geral para o país e entendesse que transporte de passageiros entre capitais é apenas uma parte do jogo e formulasse políticas adequadas, poderíamos ter o segundo maior mercado do mundo e poderíamos triplicar o uso per capita de aeronaves e soluções aeronáuticas. Se continuarmos com uma visão pouco competente, políticas de curto prazo e/ou ausência de políticas, o mercado vai crescer de forma orgânica com taxas ao redor de dobro do PIB apenas.