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Aviação regional desperta atenção de grandes aéreas

O anúncio da compra da companhia aérea TwoFlex por parte da Azul, anunciada em janeiro, evidencia o interesse das grandes aéreas sobre a aviação regional brasileira – nicho em que atua a TwoFlex. Por muito tempo delegada a um segundo plano, a aviação comercial em cidades de pequeno e médio portes vem ganhando impulso Brasil adentro. No horizonte desse avanço, entretanto, estão desafios como o alto custo de combustíveis e a falta de infraestrutura.

O Brasil já teve uma aviação regional ativa no passado. Entre as décadas de 1960 e 1990, uma política governamental de compra de assentos em voos para os rincões, normalmente pouco lucrativos por causa da baixa demanda, abriu espaço para companhias como Rio Sul e Taba.

Na época, o País chegou a ter perto de 180 cidades servidas com voos regulares. Com o fim dos subsídios, a malha aérea minguou. No fundo do poço, em 2016, apenas 110 localidades estavam conectadas. Agora, segundo a Secretaria de Aviação Civil (SAC), do governo federal, são 140 destinos com voos comerciais. A meta é chegar a 200 destinos até 2025, diz o secretário da pasta, Ronei Glanzmann. “Pela primeira vez em muito tempo, a aviação regional está sendo um bom negócio no Brasil”, diz.

Entre os motivos para a retomada está um outro tipo de incentivo: redução de carga tributária. Nos últimos dois anos, governadores têm firmado acordos com Gol, Azul e Latam para a redução da alíquota do ICMS, o imposto estadual sobre bens e serviços, sobre o combustível de aviação. Em troca, as aéreas expandem a malha a pontos até então desconectados nesses estados.

Como as grandes operam aviões muito acima da demanda desses novos destinos, o normal é delegar a conexão com esses rincões a empresas menores – como a TwoFlex -, que operam aviões de até nove passageiros, como o Cessna Caravan. A ideia é que a aviação regional leve passageiros até aeroportos maiores, em uma parceria comercial conhecida na aviação pelo jargão “interlínea” – e que está abrindo mercado para o surgimento de novas empresas. “Há espaço para até oito companhias regionais no Brasil até 2022”, diz Luis Felipe de Oliveira, diretor-executivo da Alta, associação de companhias aéreas com operação na América Latina, que cita os acordos de ICMS e a retomada da economia brasileira como fatores para a expansão do setor.

Desde o ano passado, a Alta tem certificado empresas de táxi aéreo no Brasil para atender à demanda da aviação regional. É o caso da baiana Abaeté, fundada há 40 anos como uma empresa de táxi aéreo que, em 1996, passou a fazer voos comerciais, mas, por causa dos percalços da economia, voltou a fazer só transporte executivo em 2002. Agora, com o interesse das grandes aéreas pelos incentivos de ICMS, a aviação comercial voltou ao radar da Abaeté, que, em 23 de janeiro, foi autorizada pela Anac, a agência reguladora do setor, a ofertar novamente voos comerciais. Na lista estão destinos paradisíacos, como as praias de Morro de São Paulo, hoje acessíveis apenas por horas de barco. “Chegamos lá em 18 minutos voando a partir de Salvador”, promete Tiago Tosto, diretor de Operações da Abaeté.

Muitas companhias aéreas regionais esperam voar alto nos próximos anos na esteira da pujança do agronegócio. É o caso da mato-grossense Asta, fundada em Cuiabá em 1995 para entregar malotes dos Correios. Com o fim do serviço, hoje, faz táxi aéreo e voos comerciais a partir de 12 cidades no Mato Grosso. Em fase final para assinatura de uma parceria com a Azul, a Asta quer dobrar o número de destinos em 2020.

Custo do combustível deve frear momento de euforia

Para analistas, sem medidas para baratear o custo do combustível, dificilmente a atual euforia com a aviação regional para em pé. Na lista de prioridades está, inclusive, mudar o tipo de combustível consumido no Brasil, do tipo Jet A-1 – preparado para aguentar temperaturas baixíssimas sem congelar e, por isso, usado em voos sobre regiões polares – para o Jet A, padrão mundial. A troca desse padrão, que depende da ANP, agência reguladora do setor de óleo e gás, poderia facilitar a importação de combustível de aviação.

Segundo Glanzmann, da SAC, a medida está na lista de prioridades da pasta para 2020, bem como novas regras sobre o uso de tanques e dutos por onde passa o combustível de aviação para ampliar a concorrência e baixar os preços. Na lista de desafios para a aviação regional estão, também, os gargalos de infraestrutura. No aeroporto de Aripuanã (MT), por exemplo, em virtude da falta de espaço no terminal, os passageiros da Asta fazem check-in em uma van da companhia aérea estacionada ali. Segundo a SAC, a ideia é investir até R$ 3 bilhões até 2022 na reforma de 59 aeroportos, boa parte deles nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde as carências são maiores.

A compra da TwoFlex pela Azul deve acirrar a disputa entre as grandes aéreas por parcerias com as pequenas, que podem ajudar a aumentar a demanda nos principais aeroportos do País ligando cidades médias às capitais. Na Azul, a expectativa é de que a compra anunciada em janeiro – que lhe custará R$ 123 milhões – seja aprovada pelo Cade, órgão antitruste do governo federal, até o fim de março sem sobressaltos. O motivo: a baixa sobreposição de rotas entre as duas companhias, observa Marcelo Bento Ribeiro, diretor de Relações Institucionais da Azul. Por ora, a ideia é manter a operação independente da TwoFlex, inclusive a parceria que ela tem hoje com a Gol. “Ninguém vai interromper voos do dia para a noite”, assegura Ribeiro.

Segundo executivos do setor de aviação, há cerca de 5 mil bilhetes ainda a serem utilizados por passageiros da Gol com algum trecho realizado pela TwoFlex. No caso de uma rescisão da interlínea, um cenário tido por analistas como bastante provável ainda em 2020, a Gol teria que reembolsar esses bilhetes. Na sequência, cobrar da Azul eventuais indenizações pelo fim antecipado do contrato com a TwoFlex.

Em nota, a Gol diz que a aquisição da TwoFlex “nada afeta seu plano de expansão regional e o processo de democratização do acesso ao transporte aéreo no País”. Em 2019, a parceria ainda foi modesta, com 4.185 passageiros transportados, o equivalente a 0,007% do número de assentos e 0,012% do total de clientes, diz a empresa. Mas o potencial é bem maior.

Correndo por fora, a Latam diz, em nota, que já opera em aeroportos de até 600 mil passageiros ao ano, tidos como de pequeno porte, e “está constantemente avaliando oportunidades” para “estabelecer acordos de cooperação em rotas nas quais a empresa não concorre e que poderia complementar a sua rede tanto doméstica quanto internacional”.

 

Fonte: Jornal do Comércio 11/02/2020

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