Decreto com 14 artigos detalha as regras para entrega de concessões
Após meses de idas e vindas, o presidente Michel Temer deve finalmente assinar, nos próximos dias, o decreto que regulamenta a devolução de concessões problemáticas de infraestrutura. A subchefia de assuntos jurídicos da Casa Civil, última instância de análise antes de sua assinatura, já emitiu atestado dizendo que não existe mais nenhum “óbice legal” à publicação do decreto.
Com isso, destrava-se a entrega amigável de concessões como as rodovias BR-040, entre Brasília (DF) e Juiz de Fora (MG), controlada pela Invepar, e BR-393 (RJ), da espanhola Acciona. Os acionistas de Viracopos (SP) também aprovaram sua devolução e chegaram a entrar na Justiça cobrando agilidade no decreto, mas o governo acredita que o aeroporto terá uma solução de mercado dentro do processo de recuperação judicial da concessionária.
Com 14 artigos, o decreto regulamenta a Lei 13.448, que foi sancionada em junho do ano passado. Sem ele, faltavam instruções sobre o processo de relicitação dos ativos devolvidos e o pagamento de indenizações às empresas por investimentos não amortizados em obras.
A versão final do decreto foi considerada “seca” por participantes das discussões. Não traz nenhuma menção explícita, por exemplo, ao congelamento de multas aplicadas às concessionárias por inadimplência contratual – como atraso na duplicação de estradas ou no pagamento de outorgas. Isso significa que, ao manifestar desejo de devolver uma concessão ao governo, a empresa não terá garantias de que suas multas deixarão de crescer.
Teria sido, segundo fontes do governo ouvidas pelo Valor , uma forma de evitar controvérsias e suspeitas de favorecimento que possam gerar dores de cabeça a Temer após o Decreto dos Portos – pivô de um inquérito na Polícia Federal para investigar o presidente.
O cálculo das indenizações também ficou de fora do decreto e será objeto de resoluções específicas, que estão em estágio avançado de elaboração, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
De acordo com o texto ao qual o Valor teve acesso, a empresa ou consórcio interessado em devolver a concessão deverá encaminhar à agência reguladora setorial um pedido por escrito com uma série de explicações: justificativas e elementos técnicos que mostrem a razoabilidade de relicitação do ativo; declaração formal quanto à intenção de aderir de forma irrevogável e irretratável ao termo aditivo que extingue o contrato de parceria; renúncia expressa quanto à participação de seus acionistas diretos ou indiretos na relicitação do novo contrato; e informações necessárias ao prosseguimento da relicitação (investimentos realizados, financiamento contratado, cessão de áreas comerciais).
O concessionário deverá informar, de maneira fundamentada, sua proposta para a continuidade e segurança na prestação dos serviços enquanto o ativo não for relicitado. Uma vez recebido o pedido formal, a agência reguladora avaliará se os requisitos foram cumpridos e se manifestará em “caráter preliminar” ao Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil sobre a “viabilidade técnica e jurídica” da relicitação.
Em seguida, o ministério enviará o processo ao conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que poderá qualificar ou não o ativo para relicitação. Se isso ocorrer, a agência preparará um termo aditivo definindo as condições de prestação do serviço pelo concessionário atual até que seja concluída a passagem de bastão para um novo grupo ou empresa. Esse é o ponto de inflexão do processo.
Uma empresa independente de auditoria deverá ser contratada para fazer um pente-fino nos números, com recursos do próprio concessionário, até 15 dias depois da assinatura do termo aditivo. Também “poderão constar” outras questões relevantes, como a previsão do pagamento de indenizações devidas ao concessionário por investimentos não amortizados e compromissos financeiros de quem estiver entregando a concessão (não distribuir dividendos aos acionistas, proibição de redução do capital social e veto à celebração de novos contratos para a exploração comercial nas áreas dos ativos).
Do valor total das indenizações, serão abatidos multas aplicadas por inadimplência contratual e valores de outorgas (no caso dos aeroportos) que estejam em atraso.
Um parágrafo do decreto fala especificamente sobre o financiamento à concessão e abre caminho para que as condições pactuadas originalmente sejam mantidas: “Quando as condições de financiamento se mostrarem vantajosas para o poder público e viáveis para os financiadores, a agência reguladora poderá, consultados os financiadores e garantidores do requerente, exigir a assunção, pela futura sociedade de propósito específico (SPE), das dívidas adquiridas pelo requerente, no todo ou em parte”.
Fonte: Valor Econômico 18/07/2018