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Latam encontra dificuldades para decolar nos lucros

Resultados são reflexo da crise e da ambição do seu comando por entrar no clube das companhias aéreas globais

Se os irmãos Wright estivessem vivos, o mais velho Wilbur teria que despedir o mais novo Orville para reduzir custos”, afirmou Herb Kelleher, CEO da Southwest Airlines, em 1994.

A lista de frases similares em torno da indústria da aviação comercial é tão extensa quanto as dezenas de companhias que foram extintas a cada ciclo econômico. Até mesmo Warren Buffett tem a sua, e é contundente. “O pior tipo de negócio é aquele que cresce rapidamente, requer um valor significativo de capital para aumentar a capacidade produtiva e retorna pouco ou quase nada. É o caso de uma companhia aérea”, disse ele.

Os Cueto, controladores da nova gigante latino-americana da aviação comercial Latam, estão descobrindo isso. Após cinco anos da tomada de controle da brasileira TAM, o grupo de empresários chilenos não consegue dar à nova companhia o mesmo brilho do logotipo original. Pelo contrário, no segundo trimestre do ano, a empresa mostrou uma queda de 22% nas suas receitas e teve prejuízo de US$ 50 milhões. Somado a isso, viveu um 2014 para ser esquecido, no qual os resultados negativos passaram dos US$ 100 milhões. O preço das ações também caiu da média de US$ 30 no final de 2010 para apenas US$ 5 em agosto de 2015.

Mas o que aconteceu para uma das companhias aéreas mais rentáveis e melhor administradas do mundo entrar na fila do vitimizado mainstream aeronáutico? Para Claudia Velásquez, consultora aeronáutica e ex-diretora da Associação de Transporte Aéreo na Colômbia (ATAC), a resposta é simples. As fusões entre as aéreas exigem tempo, um insumo caríssimo. “Quando grandes grupos se unem, o entendimento interno demora”, sentencia. Não é fácil definir “quem fica com os cargos diretivos e quem fixa a política”. E mesmo com novos organogramas claros desde o início, leva-se tempo para gerar um novo diálogo no interior das organizações.

Também há características da própria indústria que influenciam. Velásquez adverte que a Latam precisa continuar com as licenças de operação de cada uma das empresas que lhe deram origem. “Ao criar uma aérea nova, perdem-se nesses dois países as licenças para operar. E isso não pode acontecer, porque serão necessários anos para renegociar os slots designados em cada aeroporto e as designações internacionais entre países”, explica.

A Latam passa justamente por este problema. E para tornar a tempestade ainda pior tem que enfrentar “eventos negativos que afetam as operações globais da companhia”, afirma Jorge Salvatierra, sócio da consultora Invector e ex-diretor da LAN. Salvatierra cita entre os fatores externos que explicam o mau momento da empresa, as flutuações cambiais, a queda na demanda de vários países nos quais opera e o preço do barril do petróleo, que em setembro custava cerca de US$ 40, mas que antes passara dos US$ 100.

Esta conjuntura parece não afetar os números do competidor mais próximo da Latam, a Avianca Holding, grupo fruto da fusão com a Taca, a Aerogal e a Tampa Cargo. No primeiro semestre de 2015, o lucro líquido do conglomerado passou de US$ 10 milhões, enquanto a Latam teve prejuízo de US$ 89 milhões.

Para o argentino Gustavo Di Cio, da consultora AbiaxAir, o Brasil está no epicentro da tormenta. “Antes da fusão, a LAN tinha negócios mais distribuídos. Agora, metade está sujeita à situação econômica brasileira. Se a TAM, com seus 90% de exposição doméstica, apresenta sérias perdas operacionais, o Brasil está impondo obstáculos para o grupo Latam”, afirma de Buenos Aires.

Grandes expectativas

Para alguns entrevistados que pediram anonimato, existe um terceiro elemento: a mudança geracional na LAN. Administrada desde sua privatização, em 1994, por Juan Cueto Sierra e Sebastián Piñera, passou para as mãos de Enrique, Ignacio e Juan José Cueto. No entanto, a teoria tem uma contradição: os filhos Cueto Sierra controlam a companhia há mais de cinco anos, e a conduziram em seus melhores momentos.

Claro, atualmente, a dimensão é outra. Em uma tarefa digna de Sísifo, os Cueto buscam consolidar a fusão com a brasileira TAM e elevar a nova Latam para as grandes ligas mundiais. “Eles quiseram atingir um nível muito alto”, diz Di Cio, e pontua que a Latam, com uma frota de 330 aeronaves, fatura quase o dobro da Avianca e o triplo da Copa, seus competidores mais próximos. “É uma empresa muito grande, e os resultados não serão atingidos rapidamente”, afirma.

Para Jorge Salvatierra, parte dos problemas da Latam se deve a uma questão de expectativas. “Tecnicamente havia poucas superposições. Ambas já se beneficiavam de forma independente de um tamanho importante, o que permitia a elas economias de escala frente a fornecedores e contrapartes”, afirma. Em outras palavras, era difícil esperar tantas sinergias como as anunciadas de maneira triunfal em Santiago, São Paulo e Nova York. Ainda mais considerando o cenário de baixo crescimento e depreciação cambial que hoje afeta quase todas as empresas globalizadas da região.

As fusões sempre têm seu “trabalho de parto”, durante o qual são avaliadas as brechas de produtividade e resistências culturais. Elas eram esperadas entre duas empresas do porte de LAN e TAM. No entanto, a brasileira se encontrava em um momento de deterioração de resultados. Salvatierra crê que a primeira “subestimou o desafio de recuperar a força e levantar a eficiência da parceira, possivelmente pelo completo domínio que tinha de suas próprias operações”.

A TAM levava uma década à deriva, desde o falecimento do fundador, Rolim Amaro, em um acidente de avião ocorrido em 2001 no Paraguai. Já era a segunda maior aérea brasileira quando a Varig quebrou, em pleno Mundial da Alemanha em 2006. Assim, passou a ser a primeira – mais pela divisão das rotas da companhia falida, propiciada pela autoridade aeronáutica brasileira – que por uma aposta estratégica.

Surge uma dúvida: se na TAM sentiam falta de Rolim Amaro, é possível dizer o mesmo da LAN, diante da ausência de Sebastián Piñera, co-proprietário na época de ouro da companhia e mago das finanças? Salvatierra acredita que não. Segundo ele, o aporte do ex-presidente chileno era muito importante, mas as situações são diferentes. “Na LAN, havia uma grande equipe nessa época, com vários bons diretores, e os Cueto eram muito compenetrados e tinham clareza nas decisões, inclusive com uma boa assessoria externa, da McKinsey. Por outro lado, Amaro era o criador, promotor e condutor da TAM. A empresa era muito mais dependente dele”, explica Salvatierra.

Terremoto na Avianca-TACA

A situação para a Avianca-TACA também tem as suas turbulências. No final de julho, o CEO, Fabio Villegas, anunciou a decisão de sair da companhia. No entanto, permanecerá no cargo até o final de dezembro deste ano. “Esperava-se que ele permanecesse pelo menos por mais cinco anos, e não é coincidência a queda nas ações da companhia poucos dias após o anúncio de seu afastamento”, diz Velázquez, para quem “é estranha a saída após apenas dez anos e depois de ter salvado a Avianca da quebra no meio da crise aérea”.

Na Avianca, “permanecem pessoas absolutamente estratégicas que sabem o rumo da empresa, como o CFO, Gerardo Grajales, que trabalhou tanto ao lado de Villegas, quanto do dono, Germán Efromovich. Grajales gera confiança porque está na companhia desde a admissão da falência em meados de 2002 e viu a virada e o desenvolvimento da Avianca”, antecipa a especialista, que se atreve a prognosticar que ele tem a maior possibilidade de assumir o cargo de Villegas.

Ainda assim, as situações de ambas aéreas não são comparáveis por uma questão de escala e, também, pela vocação do gigante chileno-brasileiro de competir de igual para igual com as grandes companhias mundiais.
O jet lag da Latam também tem como causa o duro golpe da dinâmica de demanda e o preço dos hidrocarbonetos. Quando os preços estavam em alta, fez o razoável: contratou coberturas (swaps e opções) com o propósito de fixar teto de preços e se proteger de altas posteriores. Mas não contou com a OPEP e sua inesperada estratégia de inundar o mundo de petróleo barato. De acordo com a própria companhia, estes contratos a futuro significaram perdas de US$ 143 milhões.

“Não creio que muitos o vislumbraram”, disse Salvatierra. “A companhia é assessorada por vários especialistas internacionais, os que desenvolveram complexos modelos para tentar prever o que pode ocorrer com o preço do combustível, e ainda assim não conseguiram se antecipar ao que aconteceu”.

Neste momento, a Latam está no modo controle de custos, e uma de suas aplicações é a redução da oferta de assentos-passageiro-quilômetro, a medida fundamental da indústria. “Reduz as frequências de aeronaves voando as mesmas rotas” explica Di Cio. “Não cancelam destinos, mas reduzem frequências”.

Para este especialista, a estratégia é adequada. No entanto, há uma nuance que poderia prolongar o ajuste: “Se realiza melhora operacionais e suas receitas ficam no mesmo nível, tudo bem. os custos não se reduzem, e também caem suas receitas”. E há as más notícias. As desvalorizações das moedas latino-americanas somam empecilhos. “Isso acontece porque elas (ambas companhias) têm que pagar tudo em dólares (leasing, peças, treinamento de tripulações e tecnologia). Esses itens encarecem muito e as receitas em dólares não crescem na mesma proporção. além disso, a receita em pesos também não é suficiente”, explica Velázquez. A resposta da Avianca é apontar para os estrangeiros que viajam para a Colômbia. Para isto, necessita realizar campanhas custosas no exterior e competir com preços baixos.

Uma luz no fim do túnel?

A dinâmica da Avianca não ameaça a Latam. “Esta não está deixando um espaço que possa ser tomado por aquela, pois não há demanda”, disse Di Cio, e recorda que se trata de um momento cíclico.

Para Aldo González, acadêmico do Departamento de Economia da Universidad de Chile e especialista no mercado de transporte de passageiros da América Latina, há outro fator que protege as rotas operadas pela Latam. “Diferentemente da Europa, na América Latina o céu não está aberto. Os países têm espaço aéreo fechado, e a entrada em um somente é possível com a compra de uma aérea de outro”.

Em sua época de ouro, a LAN aproveitou as possibilidades de alavancagem barata para criar filiais domésticas. Mas o espaço para que outra companhia o faça hoje parece reduzido. Além disso, os céus latino-americanos não parecem propícios para as aéreas de baixo custo, dada a questão regulatória. “Muitas das grandes tentam segmentar com marcas diferentes e assim oferecer preços menores para competir com as emergentes, mas no geral a experiência não tem sido muito boa”, explica Salvatierra.

Quais mudanças a Latam poderia realizar para enfrentar a conjuntura e solidificar a nova marca? Para Salvatierra, a resposta é “avaliar seriamente algumas mudanças em sua estrutura organizacional, e inclusive nos executivos principais. O esquema dos dois irmãos Cueto coadministrando com envolvimento total, que funcionou muito bem na era LAN, provou não ser aplicável na era Latam”, dispara Salvatierra.

Nesta etapa, os irmãos poderiam passar para a diretoria-geral, e seus lugares deveriam ser ocupados por algum executivo internacional de sucesso comprovado na indústria para renovar as ideias e os estilos. Isso foi feito por várias companhias importantes do Golfo Pérsico, como Emirates – cujo CEO é o britânico Tim Clark – e Etihad, dirigida pelo australiano James Hogan. No momento, ninguém sabe responder quando a economia internacional vai passar da segunda para quarta marcha. Ainda assim, para Di Cio, o longo prazo para a Latam será bom. “Uma vez que passe este momento, todas as sinergias de custos serão rentáveis. Estão bem encaminhados”, pontua.

Fonte: América Economia (16/11/2015)

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