Infraestrutura

Ex-presidente da Infraero alerta para risco de descuido sobre as concessões

Após dois anos e meio no cargo, o engenheiro Antônio Claret renunciou à presidência da Infraero na semana passada com um alerta ao novo governo: a concessão em blocos de todos os aeroportos ainda operados pela estatal pode resultar em severos problemas no médio prazo, com terminais menores descuidados.

Na avaliação de Claret, o risco das concessões em bloco é ter os futuros operadores dando muita atenção ao “filé mignon” de cada lote e pouca ao “osso”. Para atenuá-lo, é preciso ter foco redobrado na regulação e na fiscalização.

Mesmo após a transferência de mais quatro unidades lucrativas à iniciativa privada, a Infraero está fechando o ano com lucro operacional de R$ 370 milhões. Os aeroportos de Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e Florianópolis foram leiloados em março, com contratos de concessão firmados em julho.

Em 2015, último ano da gestão Dilma Rousseff, a empresa teve prejuízo operacional de R$ 221 milhões. O rombo foi reduzido para R$ 120 milhões em 2016 e no ano passado, antes da última rodada de privatizações, as contas haviam ficado no azul em R$ 505 milhões. “Saímos de 14 mil para 7.850 funcionários. Os níveis de governança deram um salto, e a exploração comercial se intensificou. Só o novo contrato do estacionamento em Congonhas, com a Estapar, rendeu R$ 100 milhões em luvas”, afirma.

O surgimento da Nav Brasil, cindindo a parte de controle de tráfego aéreo sob responsabilidade da Infraero e repassando a tarefa para o Comando da Aeronáutica, deverá enxugar o quadro de pessoal em mais 1,7 mil pessoas. A empresa, em estudo há anos, foi criada por medida provisória neste mês.

Claret foi indicado pelo PR, partido que domina o Ministério dos Transportes há 15 anos, sem nenhuma passagem prévia pelo serviço público. Ele construiu carreira na siderúrgica Vallourec & Mannesmann. De saída, já consultou a comissão de ética da Presidência da República para saber se precisa cumprir quarentena. Conta ter propostas para voltar ao setor privado e algumas sondagens para compor a equipe em formação de governos estaduais.

“Mas, mesmo fora da Infraero, eu não posso ficar calado. Já enviei todas as informações ao pessoal da transição e vou mostrar meus argumentos ao novo governo”, afirma, dizendo ter papel como “cidadão”.

“A concessão em blocos pode trazer problemas a médio prazo, principalmente nos aeroportos menores, que são pequenos em movimentação de passageiros, mas fundamentais para a integração nacional e também, muitas vezes, para o desenvolvimento do turismo”, avalia.

O futuro ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, já declarou que pretende fazer novas rodadas de concessão e extinguir a Infraero após o processo. A ideia é para oferecer ao mercado mais seis blocos até 2021 ou 2022, contemplando todos os 44 terminais que ainda ficarão nas mãos da estatal após o leilão marcado para 15 de março.

Freitas indicou o brigadeiro Hélio Paes de Barros, diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), para a chefia da Infraero. Martha Seillier, atual chefe da assessoria especial da Casa Civil e uma das responsáveis pelo desenho da reforma da Previdência em tramitação no Congresso, terá um cargo de diretora.

O executivo ressalta que a experiência internacional aponta outro caminho melhor. “O benchmark mundial é o caso da Aena “, compara. A estatal espanhola de aeroportos abriu 49% do capital, em 2015, e tornou-se uma das operadoras mais prestigiadas no setor. “Agora, eles estão estudando a possibilidade de vender todo o controle”, acrescenta.

Nos moldes da Aena, Claret defende uma privatização gradual da Infraero – com uma abertura de capital, primeiro, encontrando um sócio estratégico. Esse caminho foi indicado em um trabalho elaborado pela consultoria alemã Roland Berger. “Havia operadoras internacionais altamente interessadas em estabelecer uma parceria com a Infraero.”

Outro ponto mencionado pelo executivo em favor da manutenção da Infraero é a existência de uma “empresa-espelho” no setor aeroportuário. Isso contribui para o governo e a agência reguladora terem conhecimento das melhores práticas e ficarem com maior capacidade de fiscalização dos contratos em terminais privatizados.

Fonte: Valor 27/12/2018

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